CRISTO X SÓCRATES
Caro leitor, a vós as minhas mais cordiais saudações,
Analisando a vida destas duas personalidades o espírito cristão, que habita em nós fica instigado a perguntar o porquê do estado de Jesus no dia de sua morte, se apresentar com uma face totalmente triste, mergulhada na dor? Aquele que revolucionou toda a história da humanidade sob todos os aspectos, de um alcance tamanho, que até hoje continua profundo e intenso, será que não acreditava no prêmio dos justos dado na vida eterna?
Confira na íntegra clicando abaixo.
São realmente desconcertantes as últimas horas que Jesus passou no meio de seus discípulos, sobretudo se colocamos em paralelo a morte de Jesus e a de Sócrates. Entretanto essas interrogações só permanecem obscuras se nós nos atermos aos fatos somente de forma superficial. Não obstante se penetrarmos a fundo iremos desvendar a genuína razão do ser cristão.
Então Jesus foi com eles a um lugar chamado Getsêmani e disse aos discípulos: Sentai-vos aí enquanto vou até ali orar. Levando Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. Disse-lhes, então: Minha alma está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai comigo. E, indo um pouco adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cálice: contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres. E, ao voltar para junto dos discípulos, encontrou-os adormecendo. E diz a Pedro: Como assim? Não fostes capazes de vigiar comigo por uma hora! Vigiai e orai, para que não entreis em tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca.[1]
É bem verdade, que enquanto Sócrates manifesta prazer em poder receber a taça com veneno, Jesus pede para o Pai que lhe afaste aquela taça. Enquanto um louva aos deuses, o outro se encontra em profunda tristeza. Ao nosso ver isso se dá por conta do desejo intenso de Sócrates de se libertar de seu corpo, para ele aqui não há vida, sua humanidade não admite a corporeidade com toda a significação que carrega.
Jesus de Nazaré também tem consciência da vida futura, mas Ele sabe que a vida só Ele pode dar de forma plena. Quando Ele fica triste, Jesus está sentindo o peso do fardo que Ele carrega sobre si, as dores, os sofrimentos e os pecados de toda a humanidade.
Sócrates só carrega o peso de seu próprio “eu”. Para ele nada é pesado, sua morte é tranqüila e serena. O sofrimento e a dor estão presentes em sua esposa e em seus discípulos. A morte de Jesus é tenebrosa e cruel, a dor sentida pelo homem-Deus Jesus, não é de nenhum modo descrita com perfeição seja qual for aquele que a escreva, e maior ainda deve ter sido a dor da traição de Judas. O modo soberbo com o qual mataram a Jesus é, de fato assustador. Não é a toa que todos os seus discípulos depois se esconderam e até negaram o discipulado.
Jesus morre por obediência ao desígnio de seu Pai e o mistério que se figura por trás da morte de Jesus, é aquilo que representa o centro da vida cristã, isto é, a Ressurreição. Para G. Reale ela é “a verdadeira cura do mal da morte” [2], pois receber a cura não é apenas enfrentá-la de modo sereno e distante como se a morte não significasse nada para nós. Muito pelo contrário, a morte e a morte de Jesus se torna para nós, fonte de misericórdia e cura de todas as enfermidades da alma, que impedem o homem de manifestar a sua substancialidade de modo pleno e determinado.
Com isso, quem não experimentou a morte não pode chegar na plenitude da vida, dá mesma forma que pensavam os gregos; e não podem cantar como São Paulo[3] as alegrias da vitória sobre a morte. A novidade evangélica é que enquanto Sócrates morria tendo em vista o hiperurânio, nós cristãos temos em vista a ressurreição. Se sofremos não é porque duvidamos, mas sim porque tememos não sermos dignos de entrar nesta morada celeste e também pela saudade que sentimos daqueles que partem.
Contudo tendo passado tudo isso, temos a certeza que o destino do homem Todo (corpo, alma e espírito) está estreitamente ligado com os princípios supremos de Platão. E estes se fazem presentes em Jesus, Ele que é a solução da problemática platônica, princípio de salvação eterna[4], sumo Bem[5] e Beleza infinita, alegria de nossas almas, certeza de vida e de vitória.
O nosso intuito é que o homem em sua totalidade e na plena manifestação de sua objetividade e transcendência possa pedir, como Sócrates: “Dai-me a belezada alma, a beleza interior e fazei com que o meu exterior se harmonize com essa beleza espiritual. Que o sábio me pareça sempre rico; que eu tenha tanta riqueza quanto um homem sensato possa suportar e empregar! Teremos mais alguma coisa a desejar?”[6], além de uma vida santa e voltada para o Amor.
[1] Mateus 26, 36-41.
[2] Giovanni REALE, Corpo, alma e saúde, p. 269.
[3] Hebreus 5, 7.
[4] Hebreus 5, 9.
[5] Giovanni REALE, História da filosofia, p. 455.
[6] Platão, Fedro, p. 125.