O evangelho deste domingo (Mc 4,26-34) é praticamente a conclusão de vários ensinamentos de Jesus através de parábolas, cujo tema é o “Reino de Deus”. As duas parábolas (semente que germina por si e o grão de mostarda) evidenciam as duas características fundamentais do Reino: a ação gratuita de Deus e a adesão humilde do ser humano.

Sendo uma realidade que transcende a história e o plano temporal, Jesus só poderia ensinar sobre o Reino através de parábolas (comparações, imagens): “conforme eles podiam compreender”. Porém, o seu ensinamento provoca nos discípulos a necessidade de um aprofundamento: “quando estava sozinho com os seus discípulos, explicava tudo”, pois o Mestre não permitia que a sua concepção de Reino se restringisse ao imediatismo das vicissitudes humanas, nem a sua realização a algumas expectativas reducionistas do seu tempo. Por isso, apresentava o Reino como verdadeiro dom de Deus à humanidade, chamada a participar plenamente da sua vida divina. Porquanto, o Reino se planta aqui, mas os seus frutos ultrapassam as fronteiras da história, do tempo e do espaço, pois é de Deus.

Na primeira parábola (4,26-29), curiosamente não se insiste no agir humano para garantir o processo bem sucedido que vai desde o germinar até a maturação do grão, pronto para ser colhido. O Reino de Deus, portanto, é apresentado como um dom (semente) cuja força vital é irresistível e que não se pode conter, não depende nem da consciência nem da intervenção humanas: “Ele dorme e acorda, de noite e de dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece”. Por outro lado, Deus conta com a colaboração humana: “O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra… Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice…”Portanto, afirmar a liberdade absoluta de Deus no seu agir não significa uma total ausência da necessidade de colaboração humana para que o Reino aconteça. Pois o Reino de Deus não significa um domínio político de extensão territorial, mas uma soberania divina sobre tudo aquilo que Ele criou, principalmente o ser humano, por isso exige sua adesão.


A expressão Reino (de Deus) já se encontra no Antigo Testamento (Tb 13,1; Sl 145,11-12; 2Cr 13,8; Sb 10,10); mesmo que inicialmente, dependendo do contexto, refira-se à área e às pessoas que constituem um “reino”, na experiência de Israel, sobretudo com os profetas, o Reino assume uma conotação dinâmica (reinado: hebraico mamlakah, 115 vezes no AT), por isso afirma Isaías: “Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, do que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: ‘O teu Deus reina’” (52,7). Além de sublinhar o aspecto dinâmico do Reinado de Deus, o profeta afirma que este modo de Deus ser rei é o próprio conteúdo da boa notícia (evangelho), isto é, a libertação do seu povo do exílio da Babilônia.

O conceito dinâmico de Reino no AT preconiza a chegada de um “Messias” (Cristo), o enviado de Deus para estabelecer o seu Reinado, diferentemente da ideologia real das nações circunvizinhas de Israel que divinizavam o soberano. Portanto, o ensinamento de Jesus sobre o Reino, tema central da sua pregação e ação, recupera o sentido primordial de Reinado de Deus, ação de Deus em favor do seu povo, não mais um povo que vive sob a dominação despótica de um soberano humano divinizado ideologicamente, mas um Messias-rei-servo, que mesmo sendo Deus se fez homem, expandindo o seu domínio pelo serviço e pela entrega generosa de sua vida. Por conseguinte, o domínio de Deus não é sobre o homem para oprimi-lo e subjugá-lo, mas é uma soberania que se exerce sempre em favor do homem, sobretudo quando a sua vida é mais ameaçada, por isso o privilégio dos pobres no Reino de Deus (“Felizes vós os pobres, vosso é o Reino de Deus” Lc 6,20).

Na segunda parábola (4,30-32), depois de ter afirmado a força vital do Reino, que é independente do esforço humano, Deus realiza a sua obra de soberania em favor dos homens, Jesus apresenta duas qualidades constitutivas do Reinado de Deus, isto é, o ponto de partida e o objetivo final. O Reinado de Deus assume coerentemente a dinâmica da criação: a verdade e a beleza do crescimento. Há uma lei incontestável na criação: ninguém nasce grande. Caso contrário, faria o processo inverso na sua existência, isto é, decrescer. A encarnação do Verbo eterno, dando início à implantação do Reinado de Deus entre nós, também assumiu essa dinâmica do crescimento: “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). Pequenez não significa impotência ou limitação, mas ponto de partida para o crescimento quando assumida de forma autêntica e humilde. Quando Jesus comparou o Reinado de Deus no seu processo de crescimento com a dinâmica da semente, não diminuiu em nada a sua grandeza, pois se na semente já está contida toda a árvore, a sua ação e seus ensinamentos ainda que revestidos de humildade de servo, continham já as grandezas do mistério de Deus, o seu desígnio de salvação.

Identificar o Reinado de Deus com um projeto político, cujos agentes são pessoas humanas que “não sabem como isso acontece”, é apropriar-se indevidamente da semente dada por Ele e reduzi-la a pedaços, impedindo-a de germinar, crescer e dar frutos. O Reinado de Deus não se submete à ideologia de partidos, mas é proclamado pela Boa notícia do evangelho que é universal: “estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra”.

Todas as vezes que pensamos que o Reino é nosso, tornamo-nos os nossos próprios déspotas ou escravos. Mas quando reconhecemos e cremos que o Reino é de Deus, as suas sementes em nós lançadas nos farão sempre livres, pois estaremos sempre crescendo, construindo fraternidade, estabelecendo relacionamentos baseados na justiça e no direito (deveres do rei no AT) e caminhando rumo ao Reino definitivo (missão do Rei do NT).

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo de Limoeiro do Norte
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana.

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